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Design Estratégico: a nova onda da inovação?

Uma breve análise sobre a maturidade do mercado de inovação no Brasil e sua relação com a cultura do design

Não é de hoje que se tem valorizado o design como protagonista de processos inovativos. Segundo o famoso estudo publicado na Harvard Business Review de 2014, empresas que têm o design como parte de sua estratégia corporativa apresentaram uma maior e expressiva performance em comparação com aquelas que não o traziam como parte essencial de seus negócios. Apple, Coca-Cola, Ford, IBM, Nike, Starbucks, Walt-Disney são apenas alguns exemplos que foram analisados, cujo resultado no mercado de ações dos últimos 10 anos foi de um desempenho 228% maior do que as tradicionais.

Para compreendermos este novo cenário de inovação organizacional, é necessário definir o que é o design e como ele impacta na transformação dos negócios. O Danish Design Centre define o design como uma estrutura tão complexa que sua aplicação pode se dar em diferentes níveis de atuação e é esta complexidade que dá ferramentas aos designers para serem versáteis, atuando desde o campo operacional, ao agregar valor, estilo, estética, desejo etc, até o estratégico, ao servir como estrutura para mudanças sistêmicas e culturais da empresa.  O designer é aquele que se utiliza da própria estrutura e modelo mental do design como método aplicado para a resolução de problemas complexos e não apenas aqueles que se graduam formalmente em cursos de formação.

O QUE É O DESIGN ESTRATÉGICO

A categoria do design nomeada como Design Estratégico é comumente confundida com o design que é útil para uma estratégia. Muitas pessoas acreditam que fazem este trabalho, por exemplo, ao criar um produto e acreditar que ele foi o motivo de aumento de vendas ou ao enxergar que algum  projeto de resultado relevante tenha sido consequência de se fazer design estratégico. Porém, acredito que esta interpretação tende ao erro diante da tradução do termo original em inglês “Strategic Design”.

Ao fazer uma breve análise dos termos mais utilizados para delimitar as atuações e categorias do design, observamos que ao nomear o Design Visual ou Gráfico (Visual/Graphic Design), o Design de Produto (Product Design), o Design de Serviço (Service Design), entre outros, associamos as palavras à dimensão sobre o campo de atuação do design e não sua característica. O Design Visual, por exemplo, é a aplicação dos princípios, modelos mentais, filosofias, repertórios, estruturas e ferramentas do design no campo de produções visuais e gráficas, mas não é porque o chamamos de Design Visual que sua função seja apenas traduzir algo visualmente. Assim, o Design Estratégico ou, como prefiro nomear, o Design de Estratégias é muito mais que o design que é útil ou relevante para algo. Ele é a possibilidade que um projeto (design) tem de influenciar uma estratégia e talvez até de projetar diversas estratégias de acordo com os diferentes contextos e cenários.

Como proposto por Buchanan, quando vamos para o intangível e o abstrato, trabalhamos com o design sistêmico, da cultura, que é o design das relações que existem dentro de um ecossistema, de uma rede de troca de serviços. Por isso, para mim, não é possível delimitar o design estratégico se a visão de serviço também não for delineada. O design estratégico é justamente olhar para essa rede de serviços: questionar como influenciar esta rede, quais são as intervenções que podem provocar esse ecossistema, quais são os resultados que o ecossistema vai gerar a partir da intervenção proposta são apenas algumas das perguntas e caminhos que fazem acontecer a estratégia.

O DESIGNER ESTRATEGISTA

Para alcançar seus objetivos, a pessoa que atua com o design estratégico deve trazer consigo uma diversidade de repertórios e não a profundidade em apenas um campo. Alguns caminhos que podem ser úteis para a função são a antropologia, o metadesign, a gestão de organizações, as ciências de dados, por exemplo. O importante é dialogar com diversas disciplinas e pessoas e foi por isso que me especializei em Neurociências, para trazer um repertório que não é comum do design à minha atuação de designer estrategista. Quando penso em Neurociência, trago a visão de outra área. O designer deve estar aberto ao diálogo com outros campos distintos entre si, inclusive em termos de estrutura mental. O embate “nós x eles”, a polarização entre funções, não existe no design estratégico. Percebi que a fusão de diferentes modelos mentais é essencial para a atuação do designer estrategista.

 

ATUAÇÃO COM BASE NO REPERTÓRIO

O olhar etnográfico dentro do design é fundamental para perceber e entender o outro em sua integralidade, já que o outro é um ser complexo e cheio de camadas. Muitas vezes há uma percepção errônea de que o cliente é o outro que deve ser entendido quando, na verdade, o design estratégico não é unidirecional, mas sistêmico. Não há apenas um outro a ser compreendido, mas vários outros que o designer, enquanto agente de transformação, precisa compreender.

O repertório da antropologia é muito útil para o trabalho de mapeamento do outro pela visão do designer, assim como a habilidade de articulação: como o design estratégico é sistêmico, não basta só visualizar, entender e discernir os componentes e fluxos daquele sistema. É preciso intervir, caso contrário não há efetividade.  É necessário propor intervenções dentro de um ecossistema para, então, identificar o que elas promovem nos atores que compõem este cenário e de que forma um ator a utiliza. Vale lembrar que a partir do momento em que o designer estrategista intervém em um ecossistema, ele não tem mais controle sobre esta ação. Ele propõe  algo e os atores vão lidar com a sugestão de formas distintas, gerando reações diferentes em cada um deles. Portanto, é fundamental entender que o outro talvez reaja e corresponda de forma diferente da maneira que o designer planejou enquanto fomentador do ecossistema.

Na Kyvo, utilizamos com frequência o metadesign em nossos projetos, a partir das provocações propostas pelo Caio Vassão. Metadesign é criar um ambiente onde haja possibilidade para que os próprios atores inseridos nele construam soluções a partir de suas necessidades. O metadesign está intrinsecamente relacionado a design estratégico: é necessário haver o entendimento de um ecossistema e também ser a agência que impulsiona o movimento. Por exemplo, se o ecossistema a ser trabalhado está dentro de uma empresa, o ator está limitado às regras desta corporação e suas ações se moldam a partir  de uma estrutura específica já determinada. Este é o motivo pelo qual muitas corporações têm dificuldade de trabalhar com inovação aberta – muitas vezes o desejo por ela é real mas, como os atores precisam seguir uma série de regras estabelecidas, o processo inovativo não evolui. Para que haja transformação, é necessário haver esforço de todos os envolvidos no processo de mudança, tanto da empresa quanto do parceiro que está trabalhando em novos desenhos organizacionais e propostas de intervenção para ela (seja uma startup, outra empresa ou consultoria). É preciso que haja diálogo em um ambiente onde, muitas vezes, o colaborador que está designado a propor intervenções não tem autonomia delegada ou expressa para fazê-lo. A colaboração de todos é fundamental para que a autonomia do líder de inovação ou designer aconteça no ecossistema e seu trabalho seja efetivo. Quando este agente fica limitado às regras estabelecidas, talvez uma boa saída seja a intervenção de um facilitador.

 

FERRAMENTAS NO PROCESSO DE INOVAÇÃO

O bom facilitador utiliza ferramentas estruturadas (frameworks, canvas, cards e check-lists etc), porém não depende delas. A facilitação é muito mais do que a aplicação de ferramentas já que um bom condutor de processos inovativos se apoia em seu repertório, em suas experiências e em seus recursos cognitivos apreendidos ao longo de uma jornada de formação como facilitador para atuar. Pode-se facilitar o processo criativo de uma única pessoa, de um grupo ou até de uma organização inteira e, por isso, a habilidade de facilitação é mais valiosa do que determinada ferramenta.

Ao implementar disciplinas como o service design em organizações, muitas pessoas acabam por entendê-lo apenas como mais uma ferramenta, colocando-o na mesma prateleira do Figma, Miro, jornada do usuário, design thinking e service design, mas esta é uma percepção errada. O design, ao direcionar seu olhar para serviços, estabelece uma nova camada de entendimento sobre o que é, como projetar, mapear ou reestruturar serviços e não é o único a tratar de serviços nas organizações. Junto com ele , vemos a engenharia de produção, por exemplo, que já traz seu olhar sobre o serviço há décadas e o marketing, que surgiu como protagonista nas empresas muito antes do design, ao falar de arquétipos e de jornada do cliente.

É muito interessante utilizar ferramentas de outras áreas para conduzir as discussões de design estratégico, afinal ele trabalha e dialoga com pessoas que podem, inclusive, ter esses outros repertórios. A sugestão de ferramentas mais tradicionais da administração, como a engenharia e o marketing, soa mais natural para um grupo que já está acostumado com essas áreas e temática. Porém, não é necessário se distanciar muito da realidade de um grupo para propor novos desenhos: um bom facilitador terá a habilidade de perceber qual é a melhor ferramenta a ser proposta e quando é necessário buscar e sugerir algumas que não faziam, inicialmente, parte do planejamento e nem existem naquele ambiente.

Existe um aspecto da cultura americana de se fazer projetos, por exemplo, que contradiz o próprio processo criativo de geração de soluções inovadoras: a frameworkização de tudo. Vemos o trabalho de transformação de processos complexos, humanos, sistêmicos e extremamente variáveis em passo-a-passos lineares, em toolkits, e-books e canvas. Em minha atuação como facilitador em design estratégico, também uso essas ferramentas, mas prefiro não me deter a elas,  já que as pessoas acabam se limitando quando veem aqueles quadros prontos a serem preenchidos. Para haver um processo criativo real e genuíno é preciso construir uma lógica com um grupo e conduzi-lo por um caminho dinâmico, subjetivo, analítico, exploratório e divergente que, ao mesmo tempo, também forme, construa, sintetize e torne objetivo e convergente. Este processo chama-se design.

A PERCEPÇÃO DO CLIENTE

Como o design estratégico é um campo estrutural do design, muitas vezes pode acontecer do cliente não perceber que o está vivenciando. Talvez o grande desafio na atuação dos designers estrategistas seja evidenciá-lo já que ele é intangível. Quando o cliente não consegue ter uma percepção clara sobre ele e entender o porquê deste processo ser essencial para o resultado, é como se houvesse uma miopia sobre o projeto que está em desenvolvimento. A distorção da percepção reflete muitas vezes em um constante questionamento sobre o investimento em projetos de inovação guiados por design (ou, design-driven innovation), pois provoca uma falha na visualização de que o valor real está justamente nos resultados e não necessariamente nos entregáveis. Muitos projetos têm entregáveis simples, que não “parecem” inovadores, originais ou disruptivos aos olhos do contratante. Porém, os resultados de um projeto ou programa de inovação são, muitas vezes, culturais, sistêmicos, complexos, difíceis de serem rastreados e mensurados, apesar de ser exatamente aí onde se encontra seu real valor.

Acredito que o mercado corporativo brasileiro já tem certa maturidade ao identificar a necessidade de um repertório mais profundo e de uma atuação mais sênior.  Entretanto, percebo que ainda não é a maturidade suficiente para impulsionar uma ação direta, em que haja a busca de designers estrategistas para o time ou a contratação de consultorias que proponham novos desenhos e provocações e conduzam este processo. Um dos critérios para análise do estudo das Design-Centric Companies pela HBR foi, inclusive, a presença e atuação de designers nos quadros de diretoria e nos debates estratégicos de corporações. Porém, volto ao ponto de atenção que foi abordado no início deste artigo: qual será a autonomia que os profissionais do campo do design estratégico terão dentro das organizações para que possam atuar estratégica e efetivamente com o objetivo de influenciar mudanças significativas que promovam valor inovativo?

A PRÓXIMA ONDA DA INOVAÇÃO?

Diante das colocações abordadas acima, será o design estratégico a nova onda da inovação? Sinceramente, espero que não – pelo menos não da mesma perspectiva que outros conceitos como design thinking, service design ou até inovação têm sido vistos. Entendo que ainda precisamos orientar o mercado não apenas a consumir design estratégico, mas também como operar por meio dele. Me questiono, inclusive, se é necessário que tentemos vendê-lo. Noto preocupação e esforço para convencer clientes (sejam externos ou internos) a “apostar” no design, porém, o design é meio, é método, é processo e, se o cliente percebe que está enfrentando algo que precisa ser resolvido e que o designer estrategista tem a bagagem, a experiência e o caminho para apoiá-lo nessa jornada, é este o ponto onde é preciso por energia neste momento. Se hoje, “inovação” é o que todos buscam e escutam, então devemos falar sobre inovação. Não é necessário abordarmos o design estratégico, se conseguimos atuar como designers estratégicos mas, se não conseguimos, então é esse o momento de focarmos no conhecimento, no ensino do mercado, nas suas possibilidades e limitações.

Creio que é importante parar de buscar uma referência mecânica e industrial para as nossas organizações e estabelecer um entendimento mais orgânico do tema. Talvez, para muitos, este seja um olhar novo e para outros, um olhar de resgate. Uma organização é como um organismo, com seus sistemas integrados e com conexões com outros organismos e sistemas, ou seja, ela faz parte de um ou mais ecossistemas. Assim, quando falamos de uma estratégia de design dentro de uma organização é fundamental percebermos que ela jamais será escalável, com estruturas implementadas em fluxos e processos replicáveis e mensuráveis. Quando se compreende a organização como organismo e o design como meio para se articular e provocar mudanças nesse ecossistema, este é o ponto onde ele se torna altamente estratégico na empresa.

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Lessak tem especializações em Human-Centered Design e Neurociências da Aprendizagem. É co-fundador e designer estrategista na Kyvo. Além de mediar um grupo de estudos independente sobre Neurociências & Criatividade, também está envolvido ativamente na liderança de iniciativas locais de fomento ao ecossistema de inovação (Service Design Network, World Creativity Day e Global Service Jam).