Nos últimos anos, felizmente, a sociedade discute cada vez mais o tema da parentalidade. As licenças parentais de seis meses para as mães e de 20 dias para os pais, aos poucos, tornam-se mais frequentes. O mesmo vale para benefícios como auxílio-creche e maior flexibilidade para home-office. Ainda assim, estamos a anos luz do que deveríamos proporcionar às famílias. E como estamos em tempos de dia dos pais, um ponto de atenção: o pai precisa assumir seu papel na discussão de qualquer política que promova a igualdade de gênero, seja nas empresas ou no setor público. E tomadores de decisão, por sua vez, precisam entrar de cabeça neste diálogo.
Enquanto editor da revista GQ, reconhecida dentro e fora do país como uma referência para o público masculino, acompanhei com frequência o tema. Neste meio tempo também tive dois filhos, o que naturalmente me fez refletir ainda mais sobre.
Miguel, meu filho mais velho, hoje com 5 anos, nasceu na madrugada de uma quinta-feira. Não fosse a compreensão dos meus chefes, voltaria a trabalhar na terça-feira seguinte, afinal, a política de Recursos Humanos da editora previa apenas uma licença paternidade de cinco dias corridos, o básico da nossa legislação. Voltei após 20 dias, com a certeza de que deveria ter ficado ao menos mais dez dias em casa. Ainda assim, ao sair de casa para o trabalho, recebi da minha companheira uma foto do Miguel bebê junto com uma das declarações mais bonitas que já me escreveram: “obrigado por cuidar tão bem de nós nestes dias, foi só um gostinho do que iremos viver”, dizia um trecho da mensagem.
Quem assinou a carta: minha companheira, que também é executiva de uma multinacional com mais de 8 mil funcionários, até então mãe de primeira viagem e que encarava de frente a montanha-russa emocional do puerpério. Por sorte, tivemos e ainda temos o privilégio de contar com uma rede familiar bem estabelecida e próxima, o que facilitou muito essa transição. Ao menos esta primeira transição, pois, para mim, a chegada aos quatro ou seis meses de vida do bebê representa um desafio enorme para as famílias.
No meu caso, a minha companheira teve seis meses de licença maternidade após o nascimento do Miguel e também da Heloísa, a nossa segunda filha. Tempo em que o amor e carinho da mãe são insubstituíveis. Ao pai, cabe aprofundar o vínculo com o bebê e garantir que a mãe tenha as condições física e emocional que o período requer. Isso significa acordar nas madrugadas, organizar o funcionamento da casa, entre diversas outras tarefas. Funções que parecem acessórias, mas que fazem uma enorme diferença para o casal.
Após o fim da licença, acredito, é quando nós pais deveríamos assumir um maior protagonismo para permitir que o retorno da mãe ao trabalho não signifique uma ruptura drástica para o bebê. Para isso, é preciso abraçar a causa da parentalidade, colocando o bebê no centro das atenções, já que é ponto inconteste que o primeiro ano de vida de uma criança diz muito sobre seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
E por que digo deveríamos? Porque, além da dificuldade do pai de se assumir neste lugar, são raríssimas as empresas que dão a possibilidade de uma segunda licença paternidade ao longo do primeiro ano da criança. A transição da volta ao trabalho de uma mãe em processo de desaleitamento materno é dificílima de ser compensada com babás, creches ou mesmo avós. O mais capaz de tentar contornar este vácuo é o pai. Só neste ponto já criamos uma desigualdade brutal de gêneros.
Quando falo que são raras as empresas que estão comprometidas com a parentalidade de maneira ampla, não se trata de achismo. Enquanto editor da GQ, em duas edições especiais de Dia dos Pais coordenei a produção de um ranking com as melhores empresas para ser pai no Brasil. Descobri, logo na largada, que nenhuma consultoria especializada em ambiente de trabalho nas empresas se debruça de fato sobre o tema. O levantamento da GQ Brasil, nas duas edições em que foi publicado, foi realizado na unha, consultando os principais especialistas de recursos humanos do país e pedindo a eles indicações de bons cases. A maioria esmagadora, infelizmente, se gabava de dar 20 dias de licença paternidade.
O alívio foi encontrar empresas com até seis meses de licença-paternidade, podendo se dividir a mesma em mais de um período ao longo do primeiro ano de vida do bebê. Algumas das que se destacaram foram Facebook, IBM, Google, Twitter e Spotify. As políticas parentais destas empresas são o que há de mais próximo das legislações de países nórdicos, referências no assunto. Na Suécia, o casal tem direito a um ano e meio de licença parental e pode decidir como dividir o período da forma que lhe for mais conveniente. Se a mulher é a responsável pela maior parte dos rendimentos do casal, o pai assume. Nada mais justo. Dinamarca e Noruega vão na mesma linha.
Ao olhar com mais atenção para o papel do pai, a busca pela promoção da equidade de gênero fica mais fácil para a empresa. O caminho, contudo, ainda é longo. Atualmente, 90 países no mundo prevêem licença-paternidade remunerada. É menos da metade. E menos de 40% das empresas contam com licenças além do período estabelecido pela legislação do país.
Por outro lado, ao proporcionar mais espaço para o pai ser de fato pai, os resultados são bem animadores. Uma pesquisa recente realizada pela McKinsey com mais de 130 pais de primeira viagem, de dez países, e que contaram com licença-paternidade estendida, mostra que 90% deles afirmaram notar uma melhora no relacionamento conjugal, e 60% disseram estarem mais felizes e que isso se reflete em seus desempenhos no trabalho. Apenas 20% se colocaram numa posição de insegurança em suas empresas pelo fato de usufruírem do benefício.
A pandemia escancarou as diferenças de gêneros de quem tem filhos. Pude ver ao longo do último ano e meio como as crianças aqui em casa demandam mais a mãe do que o pai. Entre intervir na reunião online da mãe ou do pai, é certo que vão na primeira opção. Mas se queremos mais diversidade nas empresas e no setor público, é preciso proporcionar condições para pais mais presentes em casa. Sem isso o jogo vai ser sempre desigual.
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*Guilherme Manechini é jornalista e sócio da Kyvo Design-Driven Innovation