As metodologias de inovação que conhecemos nasceram do encontro de culturas. Por exemplo, os modelos norte-americanos de administração, combinados à tradição japonesa e fermentados nas críticas anti burocráticas dos anos 1960 resultaram no que conhecemos como metodologias ágeis. Os mesmos modelos de administração combinados à experiência prática de Eliyahu Goldratt em Israel deram origem à Teoria das Restrições. Na Kyvo, o design e as metodologias ágeis se combinaram a um olhar tropical para dar origem a uma metodologia brasileira de inovação.
O encontro entre design, engenharia e antropologia
Hilton Menezes, CEO e um dos fundadores da Kyvo , conta que a empresa nasceu da combinação de experiências de seus quatro fundadores. Ele próprio com formação em engenharia da computação e MBA pela FGV, Vitor Perez e Israel Lessak com formação e experiência em Design. A eles se juntou Carolina Zatorre, antropóloga e head de pesquisa da consultoria, e a única fundadora que não é sócia. O método design driven da Kyvo surgiu deste encontro insólito entre engenharia, gestão, design e antropologia.
“Para fazer inovação, vimos que precisamos entender as características do comportamento humano”, conta Hilton. Em detalhes, os fundadores entenderam que precisavam usar a metodologia do design para entender como as pessoas se comportam e, a partir daí, extrair soluções para problemas complexos de negócios.
Para chegar a esse processo, a equipe da Kyvo começou a aplicar o que Hilton chama de meta-design, ou seja, o design aplicado para desenvolvimento de metodologias. “A meta linguagem não é a linguagem aplicada para entender a própria linguagem? Então, aqui praticamos o meta design, ou seja, usamos o design para aperfeiçoar a própria metodologia de design”, explica.
E o nome, “Kyvo”? É uma palavra tupi guarani, que significa “do lado de cá”. “Quando começamos neste negócio, vimos que as outras consultorias eram gringas. Precisávamos enfatizar o lado brasileiro, o lado de cá, do processo de inovação”, explica Hilton.
A Kyvo em experimentação e teste
Inovação corporativa: como fazer o trader operar pela Rico?
Um dos primeiros clientes da Kyvo foi a corretora Rico. O seu maior desafio era fazer o trader, que já estava cadastrado, operar preferencialmente pela plataforma. Na época ela contava com 90 mil clientes, considerando inclusive os que vieram a partir da fusão com a Directainvest, da Caixa Geral de Depósitos.
A Kyvo mergulhou numa pesquisa de design e comportamento de usuário, para extrair um roadmap de desenvolvimento de produto de dois anos. Nesses dois anos a Rico liderou por 17 meses consecutivos a abertura de contas no Tesouro Direto. E em 2016 a empresa acabou sendo adquirida pela XP.
“Até hoje eu digo para o pessoal da Rico: acho que nosso trabalho com vocês deu certo”, comenta Hilton.
Nos primeiros anos da Kyvo ela construiu uma reputação no setor financeiro. Muitos dos primeiros clientes vinham deste segmento, como a Mapfre e a Visa. Com esta última, a Kyvo avançou para mais uma frente, a aceleração de startups.
Aceleração corporativa: o projeto da Visa
No início da empresa a Kyvo havia feito algumas tentativas de prestar serviços diretamente para startups, mas não deu muito certo. Na época o ecossistema não estava no nível de maturidade de agora, e por isso não havia demanda.
Diante disso, a opção foi olhar para o Vale e procurar metodologias que pudessem ser adaptadas para o que eles estavam querendo fazer no Brasil. Foi nesse processo que eles se aproximaram da GSVlabs (atualmente One Valley), cuja metodologia de inovação aberta interessou à Kyvo.
Com base na própria abordagem de meta design e no que observaram da metodologia da GSVlabs, a Kyvo criou um modelo de aceleração para ser implementado por corporações. A proposta era construir um processo no qual ela operaria como uma consultoria de negócios para as startups aceleradas.
Além disso, pelo modelo nem a empresa patrocinadora nem a Kyvo assumiriam participação societária nas startups (o que o ecossistema chama de “pegar equity”) durante a aceleração, nem seriam feitas propostas de aquisição neste período. “O que queríamos era atrair as startups campeãs, e vimos que as aceleradoras que operavam em troca de equity acabavam atraindo startups mais early stage“, avalia Hilton.
O teste de realidade foi feito com a Visa. Em 2017 a multinacional de pagamentos lançou dois modelos diferentes de aceleração: o ahead Visa, conduzido pela Startup Farm, e o Track, conduzido em parceria com a Kyvo e a GSVlabs. Desra forma, a Visa pode comparar as metodologias, e acabou seguindo com o modelo da Kyvo. Este método acabou sendo contratado por outras empresas, como a EDP.
Teste de resiliência: a Kyvo na pandemia
O ano de 2020 foi um verdadeiro teste de estresse para todas as organizações, e para a Kyvo não foi diferente. Em março de 2020, quando tudo parou, contratos foram suspensos ou encerrados, e de uma hora para outra o ritmo de crescimento constante acabou interrompido.
“Desde o começo nos preocupamos em construir um modelo financeiro que fosse resiliente, e a pandemia foi um momento para testar e aperfeiçoar esse modelo em condições de estresse”, diz Hilton. Ajustaram custos, mudaram processos e desafiaram alguns dogmas do design thinking, como a necessidade de estarem todos no mesmo espaço físico para as ideias fluirem.
“Adaptamos nossos métodos para um modelo síncrono-assíncrono, combinando tarefas a serem realizadas conjuntamente via videoconferência e ações para cada um realizar sozinho no home office. E não perdemos potência na criatividade”, comenta Hilton, sobre como o dogma do collocation foi transformado.
O resultado foi que a esteira comercial da Kyvo continuou ativa durante a pandemia, mesmo com a parada de março. “Tivemos o nosso melhor ano em termos organizacionais”, reflete Hilton sobre os ganhos do período. E foi possível iniciar novos formatos, como o Future Lab, para ajudar empresas a traçar cenários de médio e longo prazo. “A gente usou o nosso método para nos auto-hackear”, conclui
Daqui para a frente: a inovação dos povos da floresta
Para 2021, uma das iniciativas da Kyvo é levar para as organizações um método de inovação co criado com os povos originários da floresta. Este aprendizado se deu a partir do Movimento Moara, fundado em 2018, e que trabalha inovação com as comunidades da Amazônia. O método que nasceu deste encontro se propõe a uma abordagem regenerativa, pós colonial e pós escassez.
Segundo Hilton, a proposta é fomentar processos de inovação regenerativa, indo além de um olhar básico de sustentabilidade. De acordo com o site do movimento, uma tecnologia regenerativa não se limita a reduzir os impactos ambientais de uma atividade, mas melhora o ecossistema.
De certa forma, esta proposta está em linha com os debates que acontecem em Davos na próxima semana. Sinal de que talvez tenha chegado a hora de o mundo aprender a fazer inovação como se faz “do lado de cá”. Ou, em tupi, “Kyvo”.
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Crédito da foto principal: Divulgação Kyvo