Quando era executivo da área de TI, me chamava atenção um padrão recorrente da indústria automobilística brasileira: seus principais gestores eram (e ainda são), na maioria das vezes, estrangeiros. Tinha a impressão de que o setor não conseguia enxergar bons nomes brasileiros para tais cargos, o que claramente era um erro estratégico enorme em suas operações.
Mas na verdade o equívoco era meu. As empresas do ramo sempre colocaram o Brasil como uma de suas principais escolas para grandes líderes. Não só pelo tamanho do mercado nacional, um dos sete maiores do mundo, mas principalmente pelo nosso ambiente de negócios. Crises – políticas e econômicas, burocracia, legislação trabalhista engessada, sindicatos fortes, entre outros grandes desafios. Basicamente um pacote de dar inveja aos melhores MBAs do mundo.
Hoje, à frente da Kyvo, uma empresa especializada em promover inovação em outras corporações, consigo ir além nesse raciocínio. Sobretudo quando aplico o nosso ecossistema cheio de dificuldades ao cotidiano do empreendedor. Sim, somos bastante diferenciados, quase uma versão 2.0 de um empreendedor de país desenvolvido. Como se fosse uma evolução da natureza, em que um ser vivo, após ser exposto à exaustão a determinada intempérie, desenvolve uma proteção ou habilidade específica. Não somos resistentes ao frio, mas a crises, sim. E muito.
No início de dezembro, participei de um debate sobre o Ecossistema Empreendedor do Brasil no Wired Festival do Rio de Janeiro e falei justamente sobre isso para a plateia. Para resumir a questão, diria o seguinte: o brasileiro é um empreendedor nato, disso não há dúvidas. Mas é preciso ajustar o mindset para o contexto atual de mercado. Isso requer técnicas que ainda não ensinamos em larga escala – ao contrário de universidades americanas e israelenses, uma cultura que não penalize tanto o fracasso e, sim, valorize a experiência, além de criar um ambiente favorável à disseminação e desenvolvimento de novas ideias.
Um exemplo de como essa atualização para o momento atual do empreendedorismo pelo mundo pode acontecer: logo após a apresentação no Wired Festival, fui abordado pelo Wallace, um jovem do Rio de Janeiro formado pelo Senai e que desenvolveu um mecanismo para transformar o mouse pad em um meio de gerar energia. Pois bem, a ideia é ótima. Mas muito específica, disse a ele. E se daqui a dez anos ninguém utilizar mais o mouse? Talvez o negócio do Wallace seja soluções para captar energia de maneira ampla. Assim ele reduz a dependência de determinado nicho e ainda potencializa a escalabilidade do negócio.
Impossível dizer neste momento se o meu conselho irá destravar a empresa dele. Essa não era a ideia. O importante dessa interação era estabelecer um diálogo ágil, para testar e imaginar potenciais negócios. Essa é a cultura empreendedora de hoje: fazer um encontro (hackathons), desenvolver uma ideia inicial e buscar um MVP (produto mínimo viável). Isso tudo em menos de sete dias. Parece utópico, mas é assim que negócios inovadores têm nascido. E o brasileiro, com a vivência de crise que possui, tem um potencial enorme a explorar.
Recorro à apresentação do executivo social Celso Athayde também no Wired Festival. Fundador da Central Única das Favelas e da Holding Favela (grupo que reúne mais de 20 empresas especializadas em negócios em comunidades carentes), ele tem viabilizado o acesso de grandes empresas a este mercado e, mais importante, tem desenvolvido o empreendedorismo nessas áreas. Vale ressaltar que só o Rio de Janeiro tem mais de mil favelas. Bom, para o Celso, todo favelado é essencialmente um empreendedor. “Empreender é sobreviver”. Concordo plenamente. Acrescentaria também que o nosso Complexo de Vira-Lata, na verdade, é uma grande oportunidade. Somos mais resistentes e vividos do que muito empreendedor puro sangue.
Artigo publicado no portal Startupi.