Por Lessak*
A sala de reunião gelada, um copo de café na mão enquanto você, com dificuldade para respirar, observa todo o board de diretores: alguns olham seus celulares com expressões preocupadas, outros conversam baixinho sobre assuntos delicados da empresa, outros ainda se agrupam animadamente em torno de algum assunto que todos adoram comentar – a política brasileira e o impacto que isso está fazendo em nossa companhia.
Você já fez aquilo várias vezes. Mas dessa vez é diferente. Nesta apresentação anual de resultados, em particular, você está responsável por trazer os projetos e iniciativas da área de inovação. O problema não é nem o que apresentar e nem como, mas você passou por tanta coisa no último ano! Seu medo é que todo o seu trabalho não seja reconhecido como valioso para a empresa, que os resultados apresentados não pareçam suficientes para justificar todo o investimento e que eles questionem se realmente é isso o que deveríamos estar fazendo. Mas você tem certeza que sim. Você tem certeza, não tem? A sensação é que aquele ambiente todo vai te engolir. Você só quer sair dali e respirar um pouco. Um tremor no canto do olho e a garganta seca. “Bom dia, pessoal…”
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Não é de hoje que o ambiente corporativo tem sido motivo de debate sobre saúde mental mundo afora, porém, o alarmante é que o Brasil é considerado o segundo país com maior índice de estresse. A Associação Internacional de Controle do Estresse (ISMA-BR) indicou em seu report anual, que 69% dos entrevistados brasileiros relatam que o maior motivo de seu estresse está relacionado com o trabalho. Longas jornadas, sobrecarga de tarefas e a tensão no ambiente corporativo são as principais causas identificadas. Mas o que há nesse ambiente que o torna tão tóxico para quem interage e o vivencia?
Nossa sociedade que, desde a industrialização, se organizou para ser cada vez mais eficiente, começou a passar por transformações, potencializadas pela tecnologia, o avanço das telecomunicações e o potencial da internet. A hiperconectividade mudou o modo como as pessoas interagem entre si e, evidentemente, como interagem com o trabalho. Desde pequenas mudanças na execução das atividades, até as próprias relações organizacionais, indivíduos e empresas ainda estão tentando desvendar como lidar com a complexidade. Inclua nesta conta: novas metodologias de gestão, conflito de gerações presentes na mesma organização, conflito de modelos operacionais de diferentes empresas como startups e companhias tradicionais, demanda por um perfil de trabalhador mais autônomo e adaptável em uma cultura organizacional resistente à mudança, fora a própria demanda quase que forçada do “precisamos inovar!” – quando não se tem nem clareza sobre o que é inovação naquele contexto. A complexidade se torna confusão e ninguém consegue lidar!
Navegar é preciso. Inovar, não.
“Precisamos inovar!” – declaram todos. A própria demanda por inovação já cria um ambiente de instabilidade, desconforto e caos. Quando você está diante de uma situação impossível, é preciso se aventurar e arriscar. É preciso navegar no imprevisível, incerto, desconhecido e caótico mar. Séculos já se passaram desde que Pompeu disse essas palavras diante da escolha entre ficar em Roma abatida por uma crise de abastecimento ou de se retirar para a Sicília, buscando um reposicionamento mais seguro e confortável.
De lá para cá, nossas técnicas de navegação foram aprimoradas e navegar se tornou tão preciso quanto um cálculo matemático. Fizemos isso também com quase tudo o que nos cerca na civilização: nos asseguramos que sabemos tudo o que pode acontecer, mitigamos riscos, criamos análises preditivas, reforçamos comando e controle, exigimos reports para monitoramento de tudo.
Nossa vida está baseada naquilo que é mais preciso: vai chover amanhã; nossa reunião está na agenda e 3 pessoas confirmaram, inclusive a pauta e a sala onde acontecerá a reunião já estão na descrição do invite; o tempo para que o motorista chegue é de 3 minutos; para chegar no escritório são mais 24 minutos, segundo o aplicativo. Todas essas coisas foram sendo estruturadas em nossa sociedade para nos dar mais conforto, segurança e otimizar nosso tempo, nos tornado mais produtivos. Afinal, é isso o que importa!
Mas, assim como o mar e o clima não estão no nosso controle, quando falamos sobre a necessidade de inovação, as infinitas possibilidades diante de nós também se apresentam no imprevisível, volátil, incerto, complexo, ambíguo, desconhecido e até caótico, eu diria. Inovar é navegar no desconhecido. Podemos criar quantos parâmetros quisermos para identificar, medir, formular frameworks, analisar resultados. A inovação em si, sempre nos será um desafio que precisamos encarar de forma exploratória.
Um ambiente tóxico
Considerando então, que por definição, inovação já pressupõe um ambiente caótico, seria a inovação um ambiente tóxico? De maneira nenhuma! O que leva nossos ambientes de trabalho a não serem saudáveis para os próprios indivíduos que os compõem são alguns outros elementos. Na busca por inovação a qualquer custo, ao querer ser disruptivo no mercado, muitas empresas estão estrangulando a inovação na raiz, ou melhor, no colaborador. Em nossa história, a pessoa apresentava alguns sintomas de ansiedade diante de uma importante reunião, porém quero explorar aqui a ansiedade, o estresse e o ambiente tóxico que esteve presente todos os dias do último ano de nosso personagem e que, muitas vezes, passou despercebido a muitos.
Contradição
O constante conflito de mensagens comunicadas no ambiente corporativo, tais como: a política de resultados individuais, ao mesmo tempo que se buscam alcançar metas coletivas; a expectativa de que o colaborador aja de maneira mais autônoma e responsável, enquanto se mantém uma forte dinâmica de comando e controle (pequenas decisões ainda são escaladas a níveis de supervisão); a expectativa de se alcançar resultados inovadores em processos rotineiros ou criação de novos negócios, mas com uma cultura extremamente resistente à mudança e avessa ao erro; ou a possibilidade de se fazer home office para facilitar a dinâmica de equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal e a constante cobrança e presença no trabalho em qualquer momento do dia… seja qual for a situação, as relações de trabalho estão imersas em contradição!
Restrição
A impossibilidade de se realizar algo está, claramente, muito relacionada à própria contradição no ambiente corporativo, e vai além: é quando o sentimento de “estou de mãos atadas” se sobrepõe ao potencial de ação do colaborador. Por exemplo, quando existe uma desistência de tentar mudar algo porque qualquer iniciativa já é restringida, formalmente (“top-down”) ou culturalmente (“já tentamos isso no passado…”). Veja que a própria estrutura organizacional reforça a cultura restritiva: estamos presos em caixas, silos e domínios intransponíveis.
Produção
Buscamos a maior produtividade que se possa ter. O que importa é produzir e, se o colaborador não está produzindo, ele será substituído. Podemos até melhorar as condições do seu trabalho (alô Employee Experience!), desde que isso nos retorne em mais produção.
Essa ideologia mecânica sobre o ser humano não é nova, porém não faz mais sentido para a sociedade atual. Uma vez que já temos inúmeras formas de automação de funções operacionais, criou-se um vácuo sobre como tornar-se produtivo quando se trabalha sobre coisas que são mais subjetivas e criativas. Para o colaborador, se estendem novos modelos como a liberdade para se trabalhar como desejar, no local que for melhor, com possibilidade de planejamento e análise de resultados, trabalho avaliado por projetos e não por hora dedicada. Tudo isso são apenas contradições, pois há incerteza de como seu desenvolvimento profissional será avaliado pela companhia ou qual o parâmetro de análise do resultado das suas entregas, assim como o medo de ser considerado “improdutivo” pelo seu diretor, uma vez que seu modo de trabalho é diferente do dele ou do restante da companhia.
Estes são apenas alguns dos elementos que tornam todo o ambiente corporativo tóxico, porém, já é um excelente campo para se iniciar uma mudança significativa no contexto de trabalho.
O papel do RH
Recursos Humanos (argh!), Pessoas, Gente, Gestão e Desenvolvimento de Pessoa. Seja qual for o nome que se dê para essa área da companhia, uma coisa é certa: são eles quem podem melhor articular formas de transformar o ambiente de trabalho em um espaço menos tóxico e mais aberto à inovação. Infelizmente, falta ainda um entendimento e um posicionamento para isso.
Das empresas que têm procurado a Kyvo para consultoria e criação de programas de inovação organizacional, muitas vezes, é a área de inovação que está à frente dessas iniciativas. Está na hora do RH assumir seu propósito e se unir a esse movimento.
Aliando forças e trabalhando nas estruturas organizacionais, conseguimos tornar o ambiente de trabalho mais saudável para os indivíduos e, mesmo diante da incerteza e do desconhecido, mais aberto e propenso à inovação.
* Lessak é especialista em Human-Centered Design e co-fundador da Kyvo Design-Driven Innovation, onde lidera o Labs, frente que atua na estruturação de novos negócios e parcerias da consultoria. Também está envolvido ativamente na liderança de iniciativas locais de fomento ao ecossistema de inovação por meio do design (Service Design Network e Global Service Jam).