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A ciência por trás do Jazz

o que estudos de neurociências sobre música e jazz nos dizem sobre criatividade

Ilustração do artista: LeRoy Neiman

Para ler ouvindo: Top 10 Jazz na Rua

Sou apaixonado por jazz. Nem lembro como isso começou na minha vida, porque não sou daquelas pessoas que cresceram em uma família super musical nem nada… mas sei que em algum ponto da minha trajetória, eu fui fisgado por não somente curtir a música, mas me envolver com os artistas independentes que tocavam jazz na minha cidade; pesquisar sobre os diferentes estilos do gênero, seja na musicalidade ou na dança, conhecer os álbuns clássicos, a história de vida dos músicos e cantoras… tudo! Meu interesse só aumentou quando comecei a estudar mais a fundo os processos criativos à luz das neurociências, pois existem muitos estudos científicos intrigantes sobre como a música, e particularmente, o jazz, é trabalhado em nosso cérebro. Então, em comemoração ao Dia Internacional do Jazz, vou compartilhar algumas coisas que tenho aprendido nesta jornada.

Humanos amam música

Ainda que não exista uma indicação biológica óbvia do porquê isso acontece, uma nova pesquisa publicada no Journal of Neuroscience, a razão pela qual temos tanta conexão com a música é uma comunicação entre os circuitos cerebrais auditórios e de recompensa. No estudo, quando o circuito de recompensa era provocado antes de se ouvir música, os participantes sentiram maior prazer; enquanto na situação inversa, quando o circuito de recompensa era inibido, o prazer dos participantes diminuiu. Essas mudanças induzidas no prazer dos indivíduos foram ligadas à mudanças na atividade cerebral no núcleo accumbens, uma região chave da via de recompensa.

Além disso, existe o aspecto da repetição na música. Neste vídeo-animação do TED Ed, a educadora Elizabeth Hellmuth Margulis nos explica de forma bem didática o chamado “efeito exposição”, ou seja, como a repetição na música nos convida a ser participantes ativos ao invés de apenas ouvintes passivos. À medida que as tecnologias de leitura das atividades cerebrais evoluem, novos estudos são publicados semanalmente com o objetivo de compreender mais a fundo como o ser humano opera, como o artigo “A Estrutura Musical do Tempo no Cérebro: Repetição, Ritmo e Harmonia”, publicado em Janeiro de 2020, por Dan Lloyd, do Trinity College em Hartford nos Estados Unidos.

A razão pela qual temos tanta conexão com a música é uma comunicação entre os circuitos cerebrais auditórios e de recompensa.

Improviso no Jazz

Há alguns anos, assisti a esse TED Talk do Dr. Charles Limb, músico e neurocientista na Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), na qual compartilha um estudo bem interessante realizado em 2008: ele colocou um jazzista tocando uma música memorizada e depois improvisando sobre ela para entender a diferença na ativação neural. Os resultados são fascinantes! O cérebro na execução de uma atividade de memória é muito mais ativo no córtex pré-frontal (raiz da consciência, compreensão da própria existência, planejamento intencional e o auto-monitoramento consciente); porém, quando o cérebro começa a improvisar, há uma supressão do controle inibitório, e não há mais ativação do auto-monitoramento consciente, para que haja a promoção de novos fluxos de ideias. Enquanto isso, há a ativação do córtex prefrontal medial, a região autobiográfica do cérebro, ou seja, nas palavras do Dr. Limb, “a pessoa está narrando sua própria história musical sem as inibições comuns”.

Quando analisamos a performance de músicos de Jazz, não há como não surgir a pergunta: “Como eles fazem isso? Como ocorre o improviso!?” Porém, essa é uma característica que não é restrita aos músicos. Todo ser humano atua por meio do improviso em diferentes situações da vida. Nós temos a capacidade de criar inúmeras combinações e associações a partir dos mesmos elementos. “Animais (e nesse caso, o cérebro humano) são muito bons em uma coisa: identificar padrões. O modo como sobrevivemos até hoje é encontrando regularidade em meio ao caos, entendendo que há uma predictabilidade naquilo. E isso nos dá toda uma base para entender como nos relacionamos com timing, com a capacidade de extrair um padrão e encontrar algum sentido naquilo”, afirma Limb.

Nós temos a capacidade de criar inúmeras combinações e associações a partir dos mesmos elementos.

As neurociências já comprovaram que aquela história de que não existem pessoas que usam mais o lado direito ou esquerdo do cérebro e que a criatividade ocorre em processos complexos e integrados em todo o cérebro. Mas até hoje existem estudos bem recentes que ampliam o entendimento de como os processos criativos ocorrem, por exemplo, este publicado em Junho de 2020 por David Rosen e John Kounios, do laboratório de pesquisa em Criatividade da Universidade de Drexel (Pensilvânia, EUA). Os pesquisadores analisaram a atividade cerebral de guitarristas de jazz durante o improviso e descobriram que, quando se tratava de músicos experientes em improvisação, diversas áreas do hemisfério esquerdo eram ativadas, em comparação com os músicos menos experientes no improviso. O estudo é bem denso e levanta questões importantes sobre como se define e compreende a criatividade, pois se é analisada a partir do valor de seu resultado (o produto do processo criativo), então o hemisfério esquerdo desempenha um papel fundamental. “Contudo, se a criatividade é compreendida como uma habilidade de lidar com situações novas, não familiares, como é o caso dos improvisadores mais inexperientes, então, o hemisfério direito é o protagonista”, afirma Kounios.

Encontrando o groove

Ao conversar com músicos de jazz, é comum ouvi-los compartilhar sobre uma experiência que ocorre quando alcançam um sentimento de plena satisfação e absorção enquanto estão performando musicalmente. O que chamamos de “flow” não é restrito apenas a jazzistas, mas a todo indivíduo que se aplica na criação de algo único e singular; sendo caracterizado como um estado sem autoconsciência, dúvida ou ansiedade, um fenômeno psicológico que só recentemente os cientistas começaram a entender.

Um estudo bem recente publicado no Jornal de Música & Ciência da Universidade de Londres explorou dois traços não-cognitivos que podem determinar como se dá esse processo no cérebro humano: a garra, definida como a perseverança e paixão para objetivos a longo prazo; e o desenvolvimento, a crença de que habilidades como inteligência e talento podem ser aprimoradas por meio do esforço. A experiência de flow foi correlacionada pelos músicos com sua garra e não com seu modelo mental de desenvolvimento. Os autores sugerem que isso pode ser resultado de crenças culturais sobre o quanto a habilidade de uma pessoa é natural ou resultado de treinamento.

O que chamamos de “flow” não é restrito apenas a jazzistas, mas a todo indivíduo que se aplica na criação de algo único e singular.

A cada novo estudo que encontro sobre o tema, fico mais apaixonado pela capacidade cognitiva e a complexidade do ser humano. É incrível perceber como somos completamente influenciados pela música em nosso dia a dia. Se você se interessou por toda essa discussão, creio que vai curtir também o primeiro material produzido pelo Grupo de Estudos em Neurociências & Criatividade que tenho o prazer de mediar e co-criar conhecimentos.

Lessak é especialista em Human-Centered Design e co-fundador da Kyvo, onde atua como Designer Estratégico no Labs, frente de estruturação de futuros negócios, parcerias e programas da companhia. Hoje, aprofunda seus conhecimentos em Neurociências da Aprendizagem, com foco nos processos cognitivos da criatividade. Além de mediar um grupo de estudos independente sobre Neurociências & Criatividade, também está envolvido ativamente na liderança de iniciativas locais de fomento ao ecossistema de inovação (Service Design Network, World Creativity Day e Global Service Jam).